Aproveitei estes dois dias em que não publiquei qualquer texto no blogue para dar uns belos e demorados passeios pela vila. Desci a estrada da serra, devagarinho, para deliciar os olhos com a paisagem lá em baixo. Não há, no mundo inteiro, visão mais enternecedora. Daqui tudo parece muito calmo.
Esta visão faz-me lembrar aquelas pinturas que só são perceptíveis à distância e que, muitas vezes, inebriados pela sua beleza somos tentados a aproximarmo-nos da obra para a apreciar melhor. Nessa altura verificamos que o todo perde sentido e a mera observação das partes destrói a obra criada aos nossos olhos.
Como compreendo a opção do 'homem da gruta' com quem me cruzo na descida... Admiro-o por ter prescindido da vidinha na vila para se apoderar dum pedaço de rocha de onde pode observar, lá do alto, a confusão que armamos cá em baixo, mantendo-se à margem dela. Dali, ele pode sentir o cheiro do mar e o calor do sol sem descer ao nível dos demais. E pode, acima de tudo, apreciar de longe a obra de arte que é a baía.
Mas eu não me contento com isso. Como o mais comum dos mortais, preciso apreciar de perto esta obra de arte. E continuo a descer.
O que vejo, confesso, já não me seduz. Desço do carro e enfio-o na mochila às costas porque não tenho lugar para o estacionar. Quero visitar a fortaleza mas percebo que ela não me pertence. Só no ano que vem. Quero espreitar a Capela do Espírito Santo, mas não posso entrar porque (ainda) está em obras. Penso cultivar-me e saber um pouco sobre a minha terra. Vou à biblioteca municipal, encafuada entre vários pavilhões pré-fabricados, e não consigo sossego tal é o número de jovens, inevitavelmente barulhentos como só eles, que escolhe aquele local para os trabalhos de grupo e pesquisas na internet. De frente dou de caras com o cine-teatro João Mota cuja calmia indicia que há muito que pouco se faz naquela obra. Mas compreende-se. Há que ganhar tempo porque ainda falta mais de um ano para as eleições. O tempo já não convida a mergulhos mas procurar uma piscina sei que será, logo à partida, tarefa infrutífera. Ainda tento um passeio na praia porque, felizmente, aqui não há obras nem o mar ou a areia dependem da vontade de quem gere os destinos do concelho. Mas a visão do edifício 'Mar da Califórnia', a debruçar-se sobre a praia, aterroriza-me e reporta-me para os mais tenebrosos filmes de terror.
Começo a achar que a descida foi uma perda de tempo. Saco o veículo da mochila e volto a subir a serra. Páro e fico lá em cima a ver as vistas. Isto sim, regala-me os olhos e engana a tristeza.
Agora percebo a opção do homem da gruta.
E percebo a visão que os nossos governantes têm da terra. Costumam observá-la cá de cima e raramente se dão ao trabalho de descer à realidade.
quarta-feira, outubro 13, 2004
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário